Mudanças

Eu quero mudanças na minha vida mas sem que perca a segurança e controlo sobre a vida que tenho agora.

A mente/ego é, por natureza, insatisfeita. Continuamente a comparar-se com outros, a decidir que precisa de mais, de algo diferente, de mudança.
Mas é esta mesma mente que depois tem medo da mudança, da sensação de impotência, de perder o controle. Ainda não descobriu que nunca teve qualquer controle sobre a vida.
A Vida é aquilo que está a acontecer agora. A mente abandona a Vida e viaja até ao passado ou futuro, procura motivos para depois decidir se quer estar feliz, triste, ansiosa, deprimida, eufórica. Mas, de qualquer forma, raramente a viver o presente.

É que no presente a mente sabe que ela mesma não é assim tão importante. Tudo flui sem qualquer esforço da sua parte.
Estar presente, ao contrário do que muitos pensam, não significa uma atitude passiva.

Mas se sossegar um pouco a mente começo a observar que a Vida sabe sempre o que é melhor para mim. As minhas mãos mexem-se, sem que eu tenha decidido a maneira como se mexem. E uma vozinha diz “Vai buscar uma água das pedras”. Não vejo porque não. Levanto-me e vou à cozinha. Observo deliciado enquanto os braços, as mãos, os dedos, dançam à volta da garrafa de água, do copo. A vida é isto: uma dança. Eu sou o dançado. Completamente vulnerável, impotente e imperturbável nesta irresponsabilidade aparente. Delicioso.

Outra vez a vozinha. Desta vez diz “o que a querida Natália questionava é válido e é capaz de haver muitas pessoas na mesma situação. Escreve sobre isso.” Não vejo porque não. Sento-me à frente do computador e os dedos sabem o que fazer. Limito-me a observar como eles carregam num botão e magicamente o computador começa a funcionar. Depois vão até ao rato e pressionam num botãozinho. Abre-se um programa de edição de texto. Olho para o ecrã, mas por pouco tempo. Os dedos começam a escrever. Observo deliciado como os pensamentos fluem. Sei que são todos mentira. Mas como não provocam qualquer stress escolho acreditar neles.

Quando observo atentamente a Vida a fluir nunca fico desapontado com nada nem ninguém. Aprendo a ouvir os outros. Se alguém estiver a chorar posso perguntar se posso ser de ajuda. E se a pessoa disser “desaparece da minha vista!” eu obedeço, afasto-me. Não há nada pior para uma pessoa a viver num inferno do que ter alguém à sua frente a impor amor e harmonia. É uma violação da mente. Não o faço.
A mente ainda não observou que a mudança é a única garantia na vida. Tudo muda continuamente. Numa dança deliciosamente coreografada.

A mente começa a abrir as portas do seu inferno quando acredita que tudo o que acontece é pessoal, é a si que acontece. Observa a diferença entre estas duas afirmações: “O meu amigo não me ouve” e “O meu amigo não ouve”. Na primeira a mente cria a necessidade de julgar, criticar e defender-se. Na segunda situação a mente observa, em paz. Começa a ver a vida nesta perspectiva. Ninguém te faz nada para te magoar intencionalmente. Apenas a mente acredita nesta mentira. E quer ter razão, sempre! Cada pessoa na tua vida faz o que faz porque é o que faz. E a mente decide que o que é feito está certo ou errado. Um inferno.

Uma familiar minha diz muitas mentiras. Continuamente. Nunca me engana. Quando quero ouvir uma mentira telefono-lhe. Nunca me deixou ficar mal. O problema, para outros familiares meus, é que querem que ela não minta. Ou seja, querem que ela seja uma pessoa que ela não é. Ela é a pessoa que mente. É bom saber isto. Não há guerra nem necessidade de justificações. Quero ouvir uma mentira e sei a quem posso ir para a ouvir. E posso escolher não ir ter com esta pessoa quando não quero ouvir mentiras. A minha experiência é que as pessoas são sempre honestas. Nunca me desapontam.

Quando quero ter a experiência de esperar por alguém marco um encontro com o amigo que chega sempre atrasado. Nunca me desaponta. Quando quero um trabalho mal feito, também sei a quem recorrer. E quando quero um trabalho bem feito também sei a quem ir. Poderia a vida ser mais amorosa?

Mas a mente quer mudança! Quer que os outros mudem, de preferência agora. E quer que a vida seja diferente daquilo que é, mas sem perder o controle. Um inferno. Se quero mudança só posso abrir os braços à vida. Confiar plenamente na Vida. Sei que me apoia continuamente.

Neste momento o pescoço apoia a cabeça. A cadeira apoia o corpo. O chão apoia a cadeira. O ar apoia o organismo. Apoio total, a cem por cento, da Vida. Delicioso. E para sofrer tenho que abandonar este lugar, que é o único real, e decidir que a minha mãe não me apoia, ou o governo não me apoia, ou o meu vizinho não me apoia. Outro inferno.

E se tens medo da mudança convido-te a um exercício para as próximas semanas. Aconselho-te mesmo a dedicar algum tempo a cada situação. Não queiras apressar-te. Vai com calma, pois é calma o que a mente procura.

É essencial começarmos a tornar-nos conscientes que Deus é amor incondicional (e este Deus é o Deus em que tu escolhes acreditar). E a pergunta para a mente, a pergunta para meditar durante alguns dias, é esta: se Deus é amor, de que maneira o que está a acontecer agora é uma prova desse amor?

De que maneira ter um cancro é uma prova do amor de Deus?
De que forma ter pouco dinheiro é uma prova do amor de Deus?
De que forma estar num processo de divórcio é uma prova do amor de Deus?
De que forma a morte da pessoa que mais amo é uma prova do amor de Deus?

Procura pelo menos três respostas verdadeiras, não caias na armadilha da mente de tentar convencer-te de algo em que não acreditas.

Posso deixar-te os meus exemplos.

Se eu tivesse um cancro, em fase terminal, seria um alivio! A grande maioria das pessoas não sabe quanto tempo tem nesta Terra. Eu saberia: pouco. E neste pouco tempo que me resta, oh meu Deus! Poderia amar as pessoas à minha volta. Poderia descobrir que não sou o meu corpo. Poderia ainda dar sem esperar de volta. Estaria disponível para experienciar conscientemente a decadência do corpo. Poderia ainda ensinar aqueles que amo que nunca morrerei, apenas o corpo físico morre. E há muitas mais bênçãos! Posso escolher vê-las, ou queixar-me. Ambas as situações são ok.

Se não tivesse dinheiro para a próxima refeição, seria um alivio. Não teria que pensar no que vou comer a seguir, porque não há nada. E poderia ainda experienciar a humildade pura de pedir ajuda. E ainda permitir que outros tenham a experiência de servir. E poderia criar uma nova e original maneira de ganhar dinheiro. E poderia saber com toda a certeza quem são os meus amigos (um amigo que me dissesse “não” continuaria a ser um amigo honesto. Seria o amigo que não ajuda. Da próxima vez saberia que esse não é o amigo a quem pedir ajuda).

E se estivesse a passar por uma separação, poderia a vida ser mais carinhosa? Poderia aprender a amar-me. Aprender a não depender dos outros para o meu bem-estar emocional. Poderia finalmente estar grato à vida pela presença da outra pessoa na minha vida. Poderia finalmente sair à noite com os amigos sem ter que me justificar! (ok, esta última não vale. Não saio à noite). E poderia ainda descobrir-me, observando de que maneira fui totalmente a favor da separação.

E se a pessoa que me é mais querida morresse iria ter a prova definitiva de que as pessoas não morrem, só os corpos. As pessoas, depois do corpo morrer, continuam vivas onde sempre estiveram: na mente e no coração. Por este motivo digo que não preciso que estejas vivo para te amar. Porque é no meu coração que tu vives.

Quando começares a observar que nada é assim tão importante, que o universo continuará a existir mesmo depois de morreres, que a tua passagem aqui é efémera, irás começar a saborear os primeiros sabores da vida de braços abertos.


Quando abraçares a morte, estarás livre para viver e de braços abertos para a mudança. Assim como assim, o pior que pode acontecer é morrer. E esta é a única certeza que tenho: o corpo físico morre. Eventualmente.

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