Relacionamentos perfeitamente imperfeitos (parte i)

Vamos mergulhar na realidade dos relacionamentos íntimos entre dois adultos.
O primeiro aspecto que aparentemente temos dificuldade em assumir perante o amor da nossa vida é que queremos coisas do outro. Aquilo que chamamos amor é na maior parte das vezes um jogo de interesses muito bem camuflado.
Eu dou-te sexo, se tu me deres uma vida social. Eu dou-te uma vida social se tu me deres atenção. Eu dou-te atenção se tu me deres segurança.

Mas não temos a integridade nem maturidade de dizer ao outro o que queremos dele. Esperamos que adivinhe. Da mesma forma, tampouco sabemos o que o outro quer de nós. Então dedicamo-nos ambos ao jogo do adivinha. Eu fico à espera que adivinhes o que eu quero de ti, e, por conseguinte, eu vou estar atento às tuas pistas para adivinhar o que queres de mim.

Claro que ambos iremos falhar. Isto porque a humanidade no seu todo adora duas coisas: a novidade e a aventura (ok, muitos gostam de uma aventura cheia de segurança e sem surpresas desagradáveis, o que é impossível). E ao procurar a segurança na relação iremos perder ambos. Tornamo-nos controladores. Por vezes de uma maneira subtil (“mandei-te um sms e demoraste trinta e cinco minutos a responder, onde é que estavas?”), outras vezes de maneira hostil e obnóxia (“sei que andas a meter conversa com outras gajas no Facebook, não sou estúpida, percebes?!”).

Como em realidade eu não te digo o que quero directamente, nem tu a mim, a relação irá sofrer com esta atitude. Eu quero que me dês atenção, e quando estás colado ao iPhone a jogar Pokémon Go eu amuo (“Pista! Presta atenção! Hello?! Então não vês que quero que esqueças aquilo que gostas para te dedicares aquilo que eu gosto, que basicamente é ter a tua atenção”).

De maneira idêntica o outro quer sexo, embora tu estejas a mil à hora na tua cabecinha a pensar no que irás vestir naquela festa fabulosa do próximo fim-de-semana, e sexo é uma coisa que nem te passa pela cabeça. Então quando o teu “mais-que-tudo” te acaricia a tua mente faz o filme do “então não vês que não sou capaz de decidir entre o vestido justinho rosa choque Alexander Wang com os sapatos Miu Miu, e o macacão Prada com as sandálias Brain Atwood?!”. E a carícia do companheiro torna-se a faca que golpeia a relação (neste caso a tua relação com a indumentária do fim-de-semana, percebes isto, não percebes?).

Como ambos querem coisas diferentes, o que é absolutamente natural, mas nenhum tem a coragem de o afirmar, excepto quando a loucura é tanta que desatam aos gritos e insultos,  a relação está condenada ao fracasso desde o início.

Alguns de nós, por motivos variados, optamos então por nos tornarmos subservientes e dizer “sim” a tudo, incluindo a depressão que não sabemos porque se instala.

A solução mais prática, e que não aprendemos, é nós próprios termos a capacidade de nos dar aquilo que exigimos ao outro. Isto liberta o outro para ser quem é. Sem a necessidade de um companheiro/namorado/marido, a vida torna-se doce, suave, leve. E amorosa, que é o que pretendemos quando iniciamos um relacionamento íntimo.

Depois, para os mais requintados nesta arte de sofrer a dois, há a necessidade do companheiro se tornar um paizinho, sempre disponível para lhe fazer as vontades. Ou numa mãezinha, atenta a todas as suas necessidades. Mas isso é uma outra história que podemos ler mais tarde.


Comentários